Mestre Camisa


José Tadeu Carneiro Cardoso nasceu no dia 28 de outubro de 1955 na Fazenda Estiva, em Jacobina, sertão da Bahia, filho de pai boiadeiro e mãe dona de casa, numa família de nove irmãos e um primo, "que foi criado junto" - cinco meninas e cinco meninos. As brincadeiras preferidas dos garotos eram andar a cavalo e brincar de capoeira, imitando as histórias doa heróis capoeiristas do sertão baiano que, sozinhos, "botavam pra correr", com pernadas, dois, três e até dez homens.


Por volta de 1963, seu irmão mais velho, Camisa Roxa, começou a ensinar aos irmãos as lições que aprendia na academia de Mestre Bimba em Salvador, para onde havia se mudado, a fim de terminar os estudos. As aulas atraíam toda a garotada da região, irmãos, primos e até os vaqueiros, que também se identificavam com a capoeira. Treinavam no terreiro da fazenda, no gramado, no curral, nos barrancos dor rios e dentro d'água.

A morte do pai, em 1964, precipitou a mudança da família para Salvador. Uma adaptação nada fácil para um menino acostumado com a liberdade do campo. Era aprimeira vez que o pequeno Tadeu entrava num apartamento, conhecia os diferentes costumes da "cidade grande", tinha que seguir os horários rígidos da escola e fazer os deveres de casa.

Tudo foi um choque muito grande, até ele descrobir as rodas de capoeira dos mestres Waldemar e Traíra, no mesmo bairro onde morava, a Liberdade. Camisa começou a jogar capoeira de rua, o que o ajudou a adquirir bastante experiência na malandragem do jogo. Foi no campo de futebol "da Usina" e no pátio da escola Pirajá que ele descobriu sua vocação pra ensinar, formou uma turminha e começou a dar aulas de capoeira aos meninos do bairro.

Nesta mesma época, o irmão Camisa Roxa aconselhou a mãe a matriculá-lo de uma vez na academia de Mestre Bimba, pois o menino matava aula, ficava de madrugada nas festas de rua da bahia e andava em todo tipo de barra pesada. Onde houvesse capoeira lá estava ele jogando. Foi feito um acordo: ele só poderia treinar com Mestre Bimba se passasse a freqüentar regularmente a escola. Deu certo, mas nos fins de semana ele continuava os treinos com os colegas do bairro, principalmente para que fizessem bonito nas rodas da "Festa de Reis", tradicional no bairro da Lapinha.


Visita à Fazenda Estiva, na década de 1990 - observando o terreiro onde aprendeu capoeira
Jogar capoeira para a meninada da bahia é como futebol, bola de gude, soltar pipa ou pião, todo mundo sabe. Apesar de já ser iniciado, ao chegar à academia de Bimba, Camisa seguiu o ritual dos novos alunos: o Mestre segurou suas mãos para ensiná-lo a gingar. Gingou com ele e depois de alguns testes, como agachamento, queda de rins e passada de pés por cima da cadeira, pediu que um formado mostrasse a Seqüéncia ao novo aluno. Como já havia aprendido com Camisa Roxa, Camisa também fez a Seqüéncia e, a partir daí, o desenvolvimento foi bastante rápido. No mesmo mês foi batizado pelo formado Calango, mantendo toda a tradição da capoeira.

A identificação e o prazer que Camisa sentia com a capoeira se traduziram em aprimoramento técnico. A cobrança que havia por ele ser irmão de camisa Roxa serviu como incentivo para que melhorasse a cada dia. Camisa nunca faltou a uma aula da academia de Mestre bimba; só se ausentou uma vez, quando voltou para a Fazenda Estiva a fim de acompanhar a mãe, que estava muito doente.

Sua evolução na academia foi rápida e se formou com 14 anos, em 1969. Seus companheiros de formatura foram Macarrão, Onça negra e Torpedo; a irmã Noemilde foi sua madrinha. Uma festança em Amaralina com direito às tradicionais histórias contadas por Mestre Bimba, rituais, prova de fogo, demonstrações de cintura desprezada, jogo de benguela, jogos com capoeiristas de renome, formados antigos e samba de roda até o amanhecer.

Mestre Camisa aos 16 anos
Paralelamente ao treinamento na academia de Mestre Bimba, Camisa também participava de shows de cultura brasileira que naquela época eram famosos na Bahia. Havia apresentações de samba de roda, puxada de rede, candomblé, maculelê e capoeira. Os shows eram como companhias teatrais, com cerca de 50 pessoas - artistas, bailarinos e capoeiristas - que se apresentavam em casas de shows, teatros, boates, clubes e programas de televisão em todo o Brasil e também no exterior. Camisa participou dos grupos Viva Bahia, Ogundelê e Olodum Maré, este último dirigido por seu irmão Camisa Roxa.

Nesta época faziam parte do elenco Lua Rasta, Vilobaldo, Cobrinha do Pastinha, Manoel Pé de Bode, João Grande, Mistura Fina, Lucídio, Pamponé, Sérgio Tatá e diversos outros renomados capoeiristas. Uma lembrança marcante desta época para Camisa foi no show "Heranças de Angola", no teatro Vila Velha, em Salvador, quando, ainda moleque, foi escolhido por Mestre João Grande para abrir o espetáculo, fazendo um jogo de angola com ele.

Em 1972, com 16 anos, depois de uma turnê pelo Brasil com o show "Furacões da Bahia", a companhia Olodum Maré chegouao Rio de Janeiro para uma temporada de seis meses. Fizeram apresentações no Canecão, Teatro Opinião e Teatro Municipal de Niterói, ao mesmo tempo em que ensaiavam um novo show para uma turnê européia. Neste período o elenco de 40 pessoas se hospedou na antiga Casa do Estudante, na Lapa; depois foram para a Hospedaria Sul América, também na Lapa, e mais tarde alugaram uma casa de cômodos inteira, na Rua das Laranjeiras.

Nos intervalos dos espetáculos e dos ensaios, Camisa aproveitava o tempo para conhecer a capoeira do Rio de Janeiro. Junto com os integrantes do show - Gatinho, Fernandinho, Lustroso, Flecha, Sarigüe, Roberto, entre outros -, freqüentava as rodas de capoeira da cidade. A primeira roda que conheceu foi a do Grupo Senzala, aos sábados, na qual já tinha vários conhecidos da Bahia. Foi a todas as rodas de capoeira do subúrbio, conheceu os velhos mestres e procurou visitar as academias de capoeira.


Mestre Camisa nos shows e apresentações para difundir a arte da capoeira

Chegou a hora da partida do grupo para a Europa e, como combinado, esta também era a hora de Camisa voltar para Salvador, retomar sua vida na capital baiana e terminar os estudos. Camisa Roxa deixou três diárias da hospedaria pagas, dinheiro para a alimentação e a passagem de ônibus de volta para a Bahia. Mas ele estava decidido a ficar no Rio de Janeiro, havia se identificado com a cidade, a cultura e o povo carioca. Gostava das praias, do clima, do samba, de tudo. O que também pesou em sua decisão foi o fato de Mestre Bimba estar de malas prontas para Goiás, além de seu irmão e ídolo Camisa Roxa ter viajado para a Europa.

Rasgou a passagem e jogou no esgoto. Uma semana depois acabou o dinheiro, e ele ficou na rua. Com vergonha de pedir ajuda às pessoas que conhecia, fingia que ia viajar e dormiu dois dias na Rodoviária. Foi quando se lembrou de Arthur, um nordestino que havia conhecido numa hospedaria em Laranjeiras. Contou a história, e o amigo o deixou dormir clandestino no chão do pequeno quarto. Chegava tarde da noite e tinha que sair antes do amanhecer, pois não era permitido outro hóspede no mesmo quarto. Foram dias difíceis, mas Camisa seguia em frente, firme em seu objetivo de trabalhar com capoeira no Rio de Janeiro.

Em frente ao casarão da hospedaria, na Rua Cardoso Júnior, havia a academia de judô Nissei. Os proprietários eram os professores Haroldo e Maranhão, um grande tocador de berimbau que já havia participado de um espetáculo com Camisa Roxa. O jovem Camisa foi até lá, contou novamente a sua história e pediu para dar aulas de capoeira e dormir na academia. Maranhão topou na hora e botou uma placa na porta: Aulas de Capoeira. O primeiro aluno matriculado foi um gaúcho, que havia assistido ao espetáculo da Bahia, no Rio Grande do Sul, e, coincidentemente, estava morando na mesma rua da academia. O pagamento era 50% para a academia e 50% para Camisa; o dinheiro da primera mensalidade foi direto para o português do boteco em frente, Seu Zé, para ser descontado em almoços. Agora já tinha onde comer e dormir, podia retomar sua rotina de treinamentos.
Mestre Camisa jogando com Cláudio Baltar (Parafina) no Clube Guanabara - Rio de Janeiro

A entrada no Grupo Senzala aconteceu meio por acaso. Camisa continuava a freqüentar a roda dos sábados e agora também levava seus alunos para jogar. Um dia houve um jogo "duro" e um bate-boca em que um capoeirista de fora disse que ele não pertencia ao Senzala e estava "tirando onda". Foi quando alguns integrantes do Senzala o defenderam, dizendo que ele era do grupo, que tinha vindo da Bahia, era aluno de Mestre Bimba e irmão de Camisa Roxa, a quem deviam muito, pois os havia ajudado com conhecimentos e treinamentos, além da acolhida em Salvador, acompanhando-os em todas as rodas e os apresentando aos velhos mestres baianos.

A partir daquele momento, Cláudio, Danadinho, Borracha, Preguiça e outros, ao comprarem o barulho, integraram Camisa ao Grupo Senzala. Foi assim que, em 1973, com 18 anos, Camisa começou a usar a corda vermelha, de professor. Naquela época na Bahia não se usava corda e na academia de Mestre Bimba não havia graduação, os capoeiristas usavam apenas uma cordinha para segurar a calça ou o cordão de São Francisco.


Mestre Camisa no Grupo Senzala com alguns alunos: Paulinho Sabiá, Boneco, Paulão Ceará...

Foram 13 de Senzala. Logo depois de sua entrada no Grupo, Gato cedeu a Camisa seus horários e começaram as aulas na Associação. Camisa logo se tornou importante na organização do Grupo, ficando inclusive responsável pela roda dos sábados durante muitos anos. Em 1977 formou seus primeiros cordas vermelhas no Clube Guanabara: Cláudio Moreno, Arara e Mula. Naquela época eram todos professores, ninguém era mestre, nem o próprio Camisa. O trabalho foi crescendo, Camisa desenvolveu uma didática própria e tornou-se uma referência na capoeira carioca.


Paralelamente às aulas, continuavam os convites para shows, peças de teatro, exibições e até um filme, o Cordão de Ouro, dirigido por António Carlos Fontoura. Camisa interpretava – pintado de preto – o Ogum, que batizava o personagem principal vivido por Nestor Capoeira. Para a preparação passou uma temporada com Nestor no Camping do Recreio, treinando para o filme. Em 1982, para a inauguração do Circo Voador, em Ipanema, montou junto com os seus alunos, os atores Chico Dias (Bem-te-Vi) e Cláudio Balthar (Parafina), o espétaculo “Cantos e Danças da Terra”, com várias manifestações culturais brasileiras e a capoeira como carro-chefe.


Mestre Camisa pintado de preto interpretando Seu Ogum no filme "Cordão de Ouro", com Nestor Capoeira

Os primeiros convites para o exterior foram de Camisa Roxa. Viajava para participar das temporadas de shows do irmão na Europa. A capoeira exercia uma atração enorme nos estrangeiros, que sempre queriam aprender e ver um pouco mais. Chegou a realizar cursos nos próprios teatros em que se apresentavam, depois ficava uma semana, 15 dias e até um mês dando aulas. Os primeiros interessados foram na Alemanha e na França. No início Camisa não tinha alunos graduados dispostos a assumir um trabalho no exterior, mas com o tempo foi preparando professores para ensinar capoeira na Europa. Muitos também iam para os shows e ficavam depois das temporadas.


Movido pela necessidade de uma reflexão sobre o momento da capoeira no Brasil, Camisa aproveitou o espaço democrático do Circo Voador, já instalado na Lapa, para realizar, em 1984, o 1ª Encontro Nacional da Arte Capoeira. O encontro reuniu todos os segmentos da capoeira e contou com a presença do grandes Mestres da Bahia, assim como capoeiristas do Brasil inteiro. Durante uma semana, eles participaram de atividades como palestras, vivências, depoimentos e tiveram a oportunidade de trocar experiências e jogar bastante capoeira até de madrugada.

Mestre Camisa aplica golpe durante apresentação no início dos anos 80

Em meados da década de 1980, Mestre Camisa já era referência na capoeira brasileira e internacional. Além de ser conhecido pela excelência de sua técnica, também se tornou um pesquisador, desenvolveu sua própria metodologia e um moderno sistema de ensino de capoeira. Sua grande preocupação sempre foi a profissionalização dos capoeiristas, mas para isso precisava que a capoeira conquistasse respeito e ocupasse o lugar de destaque que merecia na cultura brasileira.
Primeiro logo da Abadá-Capoeira


Em 1986, Mestre Camisa desligou-se do Grupo Senzala e montou o Grupo Capoeirarte, mas, depois de dois anos, sentiu necessidade de uma instituição que agregasse mais os capoeiristas, que tivesse um significado maior e os apoiasse em suas dificuldades de moradia, alimentação, distância da familia e todos os problemas que ele mesmo tinha vivido em sua chegada ao Rio. Que fosse mais que um grupo, fosse uma verdadeira escola de capoeira. Assim surgiu, em 1988, a Abadá-Capoeira – Associação Brasileira de Apoio e Desenvolvimento da Arte Capoeira – com o objectivo de apoiar a formação de capoeiristas profissionais.

A fundação da Abadá-Capoeira possibilitou a Mestre Camisa dar maior ênfase ao lado social da capoeira, não só oferecendo um apoio mais global para os próprios alunos, como também lançando campanhas sociais que auxiliam os segmentos menos favorecidos da sociedade. Atualmente a Abadá-Capoeira é uma das maiores divulgadoras da cultura brasileira dentro e fora do Brasil. Está presente em todos os estados brasileiros, representação efetiva em mais de 60 países, com um total de, aproximadamente, 70 mil associados.


Logo atual da Abadá-Capoeira

- Informação retirada de: "Revista Abadá Capoeira", ano 1 - número 1 - agosto de 2005



Em 28 de maio de 2010, o Conselho Universitário da Universidade de Uberlândia outorgou o título de Doutor Honoris Causa ao Mestre Camisa por causa do seu trabalho de pesquisa e divulgação da cultura brasileira. Indicado como personalidade eminente que contribui de modo relevante para o desenvolvimento da cultura afro–brasileira e detém valioso conhecimento sobre capoeira, Patrimônio Imaterial Brasileiro e se distingue por sua atuação cultural, social e educacional no Brasil e no exterior. A solenidade aconteceu dia 5 de maio de 2011, durante o Encontro Internacional Abadá-Capoeira realizado de 05 a 07 de maio, na cidade de Uberlândia, com o apoio da UFU.
Mestre Camisa recebendo o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Uberlândia

Em 2013, foi inaugurado o Complexo Residencial Mestre Camisa, conjunto habitacional na cidade de Romilly-sur-Seine, na França.

Inauguração da residencia Mestre Camisa, em Romilly-sur-Seine, na França.
Foto: Stephane Lemistre

Hoje, Mestre Camisa mora no CEMB. Lá, ele dá aulas a crianças e forma professores. Também promove encontros com centenas de pessoas, que além de treinar capoeira, fazem trilhas e cavalgadas. Tudo faz parte do conceito da capoeira ecológica.

Palavras do mestre



O fundador da Capoeira Abadá é Mestre Camisa. Desde que ele descobriu a capoeira, a sua vida foi inteiramente dedicada a esta arte, até o ponto de desenvolver uma capoeira formal. Sua estrutura consiste não apenas em um esquema de treinamento mas também numa forma de vida baseada no respeito a todos os níveis: primeiro para a natureza até toda a raça humana. É difícil explicar o significado do Abadá, pois envolve quase todos os setores da sua vida de alguma forma, não é apenas uma série de chutes ou um tipo de luta. É por isso que todos podem aprender capoeira, mas nem todos podem ser um capoeirista da Abadá. Vamos “ouvir” como Mestre Camisa nos explica como tudo isso aconteceu:

O primeiro contato com a capoeira
“No interior da Bahia eu sempre via pessoas fazendo os movimentos de pernadas, jogando, mas de forma espontânea, sem berimbau. Mais tarde Camisa Roxa foi estudar em Salvador. Quando voltava, nos mostrava as técnicas de capoeira que estava aprendendo com Mestre Bimba. Esses pequenos aprendizados serviam de brincadeira entre os primos e aumentava nosso interesse pela capoeira. Além disso, as pessoas mais velhas da região, sempre tinham alguma história de capoeiristas e suas façanhas: um que batia em 3 ou 4 ao mesmo tempo, outro que tinha o corpo fechado” (…) “naquela época todo mundo usava facão na cintura, eu gostava de ficar vendo os mais velhos mostrando as técnicas de manuseio do facão” (…) “Quando se entrava num lugar de respeito, como a igreja, por exemplo, se tirava o chapéu e o facão e os deixava na entrada”.

Da Fazenda Estiva até Salvador
“Nossa família tinha uma pequena fazenda chamada Estiva, onde morávamos, que ficava no interior da Bahia, dentro do distrito de Jacobina. Em Jacobina os colégios só ofereciam escolaridade até o científico. Os mais velhos sempre acabavam indo para Salvador, a fim de completar os estudos. Meu pai adiou ao máximo minha ida para Salvador, talvez porque tenha apostado na minha vocação para cuidar da fazenda, quando ele morreu fomos todos morar na Lapinha em Salvador…”

As rodas de rua e das festas populares
(…) “em Salvador eu gostava de frequentar as festas populares, ver, e depois participar, das rodas de rua” (…) “Passei a jogar com mais frequência nas rodas do Mestre Valdemar, na Liberdade (Pero Vaz)” (…) “Camisa Roxa me encontrou de madrugada jogando capoeira numa roda e achou que aquilo era perigoso para um menino de 12 anos. Em conversa com minha mãe ele alertou para o perigo da situação, e ela, até então não me permitia treinar capoeira, por achar que eu não ia muito bem nos estudos, achou por bem me matricular na academia do Mestre Bimba. Mas o que ela não soube que uma vez matriculado na academia, eu passei a fazer as duas coisas, treinar na academia à noite e jogar nas rodas de rua e das festas de dia…”

A academia de Mestre Bimba
(…)” A primeira vez que fui à academia de Mestre Bimba foi com meu irmão, apenas como visitante, pois ainda morava na fazenda. Fiquei atento a tudo que acontecia na aula, depois quando meu irmão me deixou no seu apartamento em Salvador para ir estudar, eu afastava os móveis e ficava tentando repetir tudo o que vi “(…)” Já matriculado treinava com empenho, fui batizado por um aluno chamado Calango e, em mais ou menos, um ano eu já era aluno formado do Mestre, em função da base com que entrei na “academia…”(…)” Aprendi muito da capoeira conversando com Mestre Bimba, ele já era um homem velho não usava mais o corpo para demonstrar “(…)” Mestre Bimba nos transmitia muita energia em suas aulas, o que facilitava o aprendizado “(…)” A academia era em forma de quadrado, na hora da roda os alunos sentavam no banco e ele tocava o seu berimbau sem nenhum acompanhamento".


A chegada no Rio
(…)” Naquela época já havia o comentário que Mestre Bimba ia para Goiás enquanto o meu irmão estava preparando uma turnê pelo Brasil com o grupo folclórico Olodum Maré. Eu, que sempre assistia os ensaios, resolvi acompanhar esta turnê de um ano “(…)” Participava de vários números, mas com maior frequência os de capoeira “(…)” Quando iniciou a viagem eu já intuía que não voltaria mais a morar em Salvador, nas cidades onde passava, eu sempre avaliava a possibilidade de morar ali “(…)” No Rio de Janeiro a show ficou em cartaz durante 3 meses e depois seguiu para Europa com o nome de Brasil Tropical “(…) ” A cidade me cativou, foi uma grande identificação com o samba, as escolas de samba, os morros, a vida social e a cultura de uma forma geral”(…)” não podia seguir com o grupo, pois tinha que ir para Salvador para estudar”(…)”o navio partiu para Europa e eu no cais assistindo, apenas com minha passagem para Salvador e alguns trocados que dava para mais uns dias de pensão. Rasguei a passagem e apostei no meu sonho de dar aulas de capoeira…”

Vivendo de Capoeira
(…) meu primeiro aluno foi um gaúcho de Pelotas que tinha assistido o show do Olodum Maré em Porto Alegre e ao passar na rua viu uma plaqueta indicando Aulas de Capoeira. Ao entrar me reconheceu do show Furacões da Bahia do grupo (…) Depois entraram outros como o Cláudio Moreno (…) Comecei ensinando capoeira em cima do método do Mestre Bimba; mais tarde fui sentindo a falta de algo com mais motivação, empolgação, sei lá então eu passei a acrescentar algumas coisas ao método para adequá-lo ao momento e as circunstâncias (…) Nessa época eu sentia muita solidão a noite no meu quartinho, eu ouvia músicas que falavam da Bahia e chorava. Nos fins de semana e feriados eu não tinha rumo e então batia uma saudade danada. O dia custava a passar. Foi então que passei a dar treinos nos fins de semana para ficar menos tempo sozinho.


Fundação da Abadá Capoeira
(…) A ideia da ABADÁ surgiu a partir desta dificuldade que passei no início, a falta de uma estrutura para dar aulas, para redigir um documento para moradia para discussão sobre técnicas, conceitos e graduação; mas acho que principalmente para dar uma estrutura familiar a tantas pessoas que deixam para trás suas cidades e suas famílias para viver de capoeira. Talvez por ter passado pelo que passei me juntei aos alunos que davam aulas aqui no Rio e em outros estados para fundar uma Associação que de alguma forma nos desse estrutura e amparasse os novos capoeiristas (…) A busca pelo nome demorou porque tinha que sintetizar o que era a associação e no mesmo tempo tinha que ter uma relação básica com capoeira.


The founder of the Abadà Capoeira is Mestre Camisa. Since he discovered the capoeira, his life has been entirely dedicated to this art till the point of developing a formal capoeira. His structure involves a training scheme but also a way of living founded on the respect at every level: first to the Nature till the whole human race. It’s difficult to explain the meaning of the Abadà as it involves almost all the sector of your life in some way, it’s not only a series of kicks or a type of fight. That’s why everyone can learn capoeira but not everyone can be an Abadà capoeirista. Let’s “hear” Mestre Camisa telling us how all this happened:
First Contact with Capoeira
“In the interior of Bahia I always saw people doing movements with their legs, playing, but in a spontaneous form and without the berimbau. Later, Camisa Roxa went to study in Salvador. When he returned he showed us the Capoeira techniques he was learning with Mestre Bimba. These little lessons were more like games among cousins and served to increase our interest in Capoeira. Besides this, the oldest people in the region were always telling stories of Capoeiristas and their feats: one who beat three or four people at once, another who had a corpo fechado(1)” (..) ” In this time, all the men carried a machete in their belt. I always liked to watch the older men demonstrating their agility in handling the machetes.”(..)” When you went into a respectable place, like a church for example, you removed your hat and took off your machete and left them at the entrance.
From the Estiva Ranch to Salvador
Our family lived in a small ranch called Estiva. It was in the interior of the state of Bahia, in the district of Jacobina. In Jacobina, the schools only went up to the primary level, the older students had to go Salvador in order to finish their studies. My father delayed as much as possible my going to Salvador, perhaps because he was hoping I would stay and take over the family ranch. When he passed away, the family moved to Lapinha in Salvador.
The Street Rodas and Popular Parties
“(..)” in Salvador, I liked to go to the hang out on the streets, to see, and later to participate in, street rodas. “(..)” I started playing more and more in the rodas of Mestre Valdemar, in Liberdade (Pero Vaz). “(..)” Camisa Roxa saw me early one morning playing capoeira in a roda and thought that this was dangerous thing for a twelve-year-old boy. He spoke to my mother about the danger of the situation and she, who up until then had not allowed me to formally study capoeira because she thought it would interfere with my studies, thought it would be a good idea for me to enroll in Mestre Bimba’s Capoeira academy. But what she didn’t know was that once I enrolled in his academy I would spend all my time doing two things: training in the academy at night and hanging out and playing in the street rodas during the day…”
Mestre Bimba’s Academy
(..)” The first time I went to Mestre Bimba’s academy was with my brother. I was only visiting, at this time I still lived on the family ranch. I paid attention to everything that went on in the class. Later, my brother went to his classes and left me alone in his apartment in Salvador, I moved all the furniture out of the way and tried to repeat what I had seen. “(..)” Once I enrolled in the academy I was a dedicated student and trained with determination. I was baptized by a student called Calango and in a year, more or less, I had already reached the level formado in Mestre Bimba’s Capoeira group; although this also had a lot to do with my level of proficiency in Capoeira before I entered the academy… “(..)” I learned a lot about Capoeira just from talking with Mestre Bimba. He was already an old man and couldn’t physically demonstrate things”(..) “Mestre Bimba transmitted a lot of energy to us in his classes, which helped the learning process.” (..) “The layout of the academy was in the form of a square. When it was time for the roda the students would sit on the bench and Mestre Bimba would play his berimbau without any accompaniment.
Arrival in Rio
“(..)” At this time there was already a lot of talk that Mestre Bimba would go to Goiás state. My brother was training to go on a tour with the folklore show Olodum Maré. I always went to the group’s rehearsals and resolved to go along on the yearlong tour “(..)” I participated in various numbers, but mostly in the ones that had Capoeira”(..) “When I left to go on tour I already had an intuition that I wouldn’t come back to live in Salvador, in all the cities we passed through, I always imagined what it would be like to stay and live for a while. “(..)” In Rio de Janeiro the show was booked for three months and after that it went to Europe under the name Brasil Tropical” (..) “The city of Rio captivated me; the pervasiveness of samba, the samba schools, the morros, the social and cultural life in general.” (…) “I couldn’t go to Europe with the group because I had to go back to Salvador to study” (..) “the ship left for Europe with me on the docks watching it to go, with only my ticket to Salvador and a little money that would pay for a few days in the hotel. I tore up my ticket and decided to take a chance on my dream of giving Capoeira lessons.
Living by Capoeira
My first student was a ‘gaúcho’ (2) from the city of Pelótas who had seen the Olodum Maré show in Porto Alegre. While walking in the street one day he saw a small sign indicating Capoeira lessons. Upon entering, he recognized me from the piece Furacões da Bahia”(..) “Later others joined, such as Claudio Moreno” (..) “I begin teaching Capoeira in the style of Mestre Bimba. However, I felt something was lacking; motivation, interest, I don’t know, so I began to add some things to the method to make it more appropriate to the moment and to the circumstances of that time” (..) “In this time I felt very alone and isolated, at night in my room I would listen to songs that spoke of Bahia and cry. On the weekends and holidays I felt adrift and my heath began to suffer. These days were difficult to endure, so I began to give lessons on the weekends to spend less time alone.
Founding of ABADÁ Capoeira

“(..)” The idea for ABADÁ came to me shortly after I passed through this difficult period. The lack of a formal structure for classes, the need to draw up a basic lesson plan, for a place to study and teach, to debate techniques and discuss concepts, and to define rankings were all important; but I think principally the impetus was to give a family-like structure to so many people who had left behind their cities, their families, to dedicate themselves to Capoeira. Perhaps because I went through what I did, I joined other students who gave Capoeira lessons in Rio and in other states, to found an association that in some way would give us a structure and support new Capoeiristas” (..) ” The search for a name took a long time because it had to sum up what the organization was all about and at the same time it had to have a basic relationship with Capoeira.


Um comentário:

  1. Conheci mestre Camisa nos anos 70,no grupo Senzala.Esse merece nosso respeito.

    ResponderExcluir